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Um grande desafio na educação de crianças pequenas é fazê-las participar dos momentos de organização dos brinquedos e espaços, ao término das brincadeiras. Em geral estes momentos são carregados de tensão, os adultos assumem voz de comando e as crianças muitas vezes “escapam pelas beiradas”, fazendo o mínimo possível. Os comandos podem vir de formas impositivas, ou através de canções que estimulam a cooperação ou em competições para ver quem é mais rápido ou consegue pegar mais peças que os outros.
Considero que não há nada de errado em buscar estratégias para tornar estes momentos mais agradáveis, mas acho que vale a pena refletirmos um pouco sobre a resistência e dificuldade que temos em dar conta de situações que são extremamente corriqueiras na vida de qualquer ser humano. Afinal, a todo momento coisas são tiradas de seus lugares, louças ficam sujas, camas são desarrumadas, gavetas são abertas, além da infinidade de lixo que é produzido.

Vamos pensar agora sobre quais ações as crianças veem em nossas casas, nos locais públicos e espaços comuns que convivem. Como cada um de nós lida, em nossa rotina, com uma pia cheia de louça, um cesto de roupa suja, ou com uma lixeira cheia? Há sempre uma terceira pessoa para realizar estas tarefas? Esta pessoa é vista em ação, ou “a magia acontece” quando ninguém está em casa? Aos finais de semana, ou férias, quando o tempo pode ser desfrutado de outra maneira, tudo volta rapidamente aos seus lugares, ou estas tarefas são relevadas, ou ocorrem de modo mais tranquilo? As crianças são convidadas a participar da organização da casa? As tarefas de organização são partilhadas de forma equilibrada entre o casal de adultos, ou um dos dois fica sempre mais sobrecarregado?

Creio que a lista de perguntas já está grande o suficiente para esta breve reflexão e a depender de nossas respostas, poderemos perceber que, provavelmente, não sejamos tão exemplares como gostaríamos para nossas crianças. Veremos que algumas ações são resquícios de um modelo escravocrata ou machista e que exigimos delas ações que não nos comprometemos a cumprir. Diante disso, pode ser interessante repensarmos nossas ações e transformar os momentos de organização e limpeza como inerentes aos processos, nem melhores, nem piores, mas que devem acontecer, ora em ritmos mais tranquilos, ora mais urgentes, a depender da circunstância.

Precisamos lembrar que é difícil para uma criança pequena (até os seis anos) dar conta da organização de seus brinquedos sozinha e que não há nenhum problema em ajudá-las. Da mesma maneira em que é interessante inclui-las nos momentos de organização da casa, na participação do preparo das refeições, arrumação dos espaços, limpeza e tudo mais.

Obviamente, elas farão com a possibilidade de crianças pequenas, ora mais dispersivas, ora mais focadas, farão muitas perguntas, irão lavar só um lado dos copos e deixar a espuma transbordar…, mas todas estas situações serão ótimas oportunidades de partilha, conhecimento mútuo e aprendizagens.

Para ilustrar, vou relatar uma situação que aconteceu recentemente na escola de educação infantil que dirijo, o Espaço Educação Infantil. Era final de tarde, a turma de crianças de três para quatro anos tinha acabado de brincar num local que chamamos de pracinha e iam lavar as mãos para o jantar. Eu estava dando uma volta para acompanhar a movimentação de final de dia e vi que a pracinha estava muito suja de terra e quando me aproximei da turma, os meninos, antes mesmo de eu fazer qualquer comentário, disseram, excitados, que eles tinham sujado tudo. A educadora da turma já estava conversando com as crianças sobre a bagunça e sujeira, então eu aproveitei para dizer que achava importante que elas mesmas limpassem o que tinham feito e foi isso que aconteceu. Os dois meninos que tinham liderado a sujeira ficaram para limpar a pracinha. Eu peguei uma vassoura, um rodo e uma pá, mostrei o que precisavam fazer e eles foram varrendo, recolhendo e jogando a sujeira no lixo. Quando achei que já era suficiente, pedi que lavassem as mãos, subissem para o jantar, e eu me dispus a terminar de varrer. Ao ver que eu varria melhor, um dos meninos me perguntou, muito interessado, como eu conseguia fazer isso tão bem e eu respondi que provavelmente porque eu era adulta e já tinha varrido muitas vezes. Ele, então foi jantar e eu continuei varrendo. Logo uma outra turma de crianças entre um ano e meio e dois anos chegou para brincar, dois meninos se interessaram em me acompanhar, enquanto eu terminava de varrer. Um deles, pegou a pá e conforme eu enchia de terra ele a levava para despejar na lixeira. Ficamos assim até a pracinha voltar a ficar limpa.

Penso que esta situação ensinou a todos nós. Aos meninos que sujaram, ensinou que a limpeza posterior faz parte e é até legal limpar. A mim que basta que sejamos claros com as crianças para que elas colaborem com o que esperamos delas. E aos dois meninos que me acompanharam depois, podem ter aprendido que limpar é um processo inerente a rotina.


Deixo aqui o convite para pensarem em mudanças de atitudes de todos para que os momentos de organização sejam mais fluidos. Que tal?

Por Ana Paula Yazbek