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Vendo pelo lado de fora

Era início da manhã, as crianças brincavam na sala de recepção do espaço ekoa quando uma educadora que sentiu cheiro de cocô perguntou para a criança mais próxima se ela estava com a fralda suja. A criança olhou para o lado mas, não respondeu, continuou brincando e, como percebeu que logo em seguida dessa interação uma das outras educadoras iria se aproximar para ver sua fralda (e consequentemente levá-la ao banheiro), começou “um jogo de corpo” mostrando que iria fugir, se um adulto chegasse mais perto. Vale vocês saberem que essa criança em muitas vezes, mostra-se contrariada/invadida frente às aproximações de adultos e crianças. 

Buscando não entrar numa sintonia nem invasiva, nem amedrontadora, outra educadora se propôs a fazer a troca de fralda e, ao invés de se dirigir à criança, segurar na sua mão e conduzi-la até o banheiro, foi para o lado oposto da sala, próximo ao portão de saída e a chamou para que ela a acompanhasse até o banheiro para trocar a fralda.

A criança deu alguns passos em sua direção, mas depois parou, sorriu e começou a correr na direção oposta para que ela entrasse no jogo de pega-pega que costuma ocorrer neste momento.

Como a educadora não correu, permaneceu no mesmo lugar e chamou a criança algumas vezes, mas ela não atendeu, precisou de outro recurso para tentar levá-la com tranquilidade ao banheiro. Então, foi se aproximando, mostrando que não iria tocar em seu corpo de modo impositivo. Mesmo assim, ao segurar na mão da criança, ela se jogou no chão e a cena que a educadora não queria, acabou acontecendo. Foram por alguns segundos que ela segurou na mão da criança que batia os pés no chão e, ao mesmo tempo, gritava. 

Decidida não conduzir a criança daquela maneira, soltou a mão da criança e esperou. Quando o choro e o balanço do corpo pararam e a pequena criança mostrou que não se machucaria com movimentos bruscos, a educadora a deixou no chão, se afastou e novamente a chamou para troca de fralda, oferecendo afetivamente sua mão para irem ao banheiro.

A criança segurou na mão dela e foram caminhando. Depois de alguns passos, a educadora soltou a mão da criança para realmente seguirem lado a lado, conversando… Foi quando a criança correu no sentido contrário, entrou numa casinha de boneca do lado externo da casa, para se esconder. 

Ela a chamou, mas não foi em sua direção para pegá-la, deixou que a criança entrasse na casinha e depois de alguns minutos e alguns chamados, a educadora precisou se dirigir até a casinha, quando a criança a viu, se escorou entre as paredes, bem no canto da casa de brinquedos,  se mostrando excitada com aquela situação,  batia os pés no chão, enquanto gritava. A educadora se manteve calma e procurou sinalizar com gestos, falas e tom de voz que não estava ali para levá-la “à força” ao banheiro e nem para brincar de pega-pega. Pediu que viesse em sua direção e perguntou se não estava incomodada em estar com cocô na fralda.

Neste momento, a criança caminhando até a educadora disse:

– Não tem cocô!

Ao ouvir isso, pediu para olhar a fralda, a criança virou de costas  e como realmente não tinha nenhum cocô disse que não precisava  trocar de fralda:

– Puxa! Era só xixi! Você estava querendo me dizer isso o tempo todo?

E a criança respondeu sorrindo:

– Só xixi!

Voltaram à sala juntas, sem precisarem estar de mãos dadas e anunciaram que era só xixi, a educadora que estava a acompanhando contou que tinha optado por não trocar a fralda de “só xixi” naquele momento…

Passados uns quinze minutos, outra educadora que não estava presente no momento anterior, notou que a mesma criança estava com a fralda muito cheia (devia ter feito mais xixi) e se dirigiu a ela para fazer a troca. Novamente a criança começou a gritar, mas ao invés de fugir, foi na direção da educadora anterior e a abraçou.

Entendendo isso como um pedido de continuidade, a educadora perguntou se ela queria ir ao banheiro, a criança respondeu que sim. Então, pegaram a mochila, o pacote de fralda que sua mãe tinha mandado e foram lado a lado até o lugar de trocar a fralda, desta vez sem nenhuma fuga ou resistência.

 

Vendo pelo lado de dentro

Foi importante fazer o relato pois nos faz pensar sobre muitas coisas que costumam acontecer de modo “naturalizado” e que ao invés de provocar mudanças em ações inadequadas tanto dos adultos como das crianças, se não tomarmos cuidado, nós as perpetuamos.

Durante a primeira tentativa de troca de fralda, intencionalmente, a educadora procurou não valorizar o jogo de recusa da criança, pois entendeu que é uma dinâmica que se repete com muita frequência quando ela é chamada a fazer qualquer coisa que num primeiro momento não a atraia. Se a turma é chamada para um espaço, a criança vai na direção oposta e fica na expectativa da aproximação do adulto para fugir, gritar, ser pega no colo.

Não foi nada fácil romper este jogo e mesmo procurando não tocar a criança de modo impositivo, quando ela sentiu que estava de mãos dadas com um adulto, se jogou no chão. Mas, mesmo assim, a educadora procurou evidenciar que não iria entrar neste jogo e tão logo foi possível voltou a se afastar para chamá-la para a troca.

Sentiu que a criança tinha entendido que iriam percorrer o caminho até o banheiro de modo diferente e, por uns segundos, foi o que aconteceu. Mas ao notar a mudança de padrão de comportamento, ou ao perceber que não tinha feito cocô, ou para testar se aquela pessoa adulta não iria entrar mesmo no jogo, a criança fugiu.

Como a educadora realmente queria que a troca de fralda fosse pactuada entre as duas, manteve a postura de não alterar o tom de voz e nem de agir impositivamente para conduzi-la até o banheiro.

Enquanto a criança gritava na casinha, ela a olhava nos olhos e esperava os segundos de silêncio entre um grito e outro para dizer que queria levá-la ao banheiro apenas para trocar sua fralda que estava suja.

Foi aí, depois de alguns gritos a mais, que a criança conseguiu dizer que não tinha feito cocô.

Isto foi entendido como um limite que ela estava colocando, como se estivesse dizendo o tempo todo com suas atitudes “Eu não fiz cocô, então não preciso trocar minha fralda!”. 

Neste momento, a educadora se deu conta de que por não querer logo de início tocar na criança para verificar se realmente precisava trocar a fralda, a comunicação inicial tinha sido feita entre os adultos. Obviamente, a sua ação deveria ter sido a de se dirigir à criança e perguntar se estava com cocô na fralda. Assim como a criança entrou no seu padrão de “grito e fuga”, a educadora entrou no padrão de que “as palavras dos adultos têm sempre valor”.

Mas ainda bem, que apesar da comunicação não linear que estabelecida, foi possível finalizar este processo com qualidade e principalmente, refletir sobre isso!

por Ana Paula Yazbek