fbpx

Outro dia, ouvi do psicomotricista André Trindade que este ano pode ser considerado como um ano inteiro de chuva, numa analogia aos dias em que não podemos sair de casa e temos que arrumar outras formas para ocupar o tempo. Estamos atravessando a segunda onda da pandemia no Brasil e a sensação de medo, angústia e ansiedade se soma à do tédio, particularmente para as famílias com crianças que não conseguiram sair de suas cidades. O que proporcionar aos filhos, uma vez que as opções possíveis de lazer estão limitadas ou foram esgotadas nestes intermináveis meses? Será possível oferecer algo que valha a pena, algo que saia do roteiro tradicional ou do consumo?

Esta questão me fez lembrar de quando eu, meu marido e nossos filhos passamos uma temporada de férias de inverno na praia. Num fim de tarde, fomos os quatro até o canto direito, onde tinha um rio. Pedro logo mergulhou e ficou correndo de um lado para o outro. Marina ficou um tempo sentada, enfiando as mãos na areia e parecia não saber o que fazer. Não tínhamos convidado nenhuma amiga e, por um instante, vendo-a brincar, fiquei com a sensação de que talvez estivesse precisando de companhia, estivesse entediada, ou triste. Me aproximei e perguntei: – Filha, você está bem? Está muito chato brincar sem uma amiga? Não está se sentindo sozinha? Para minha surpresa, ela disse: – Não, eu não estou sozinha. Eu tenho a minha imaginação!

Essa resposta ecoa na minha cabeça até hoje, pois na simplicidade de criança, Marina me ensinou algo precioso e me fez refletir bastante sobre a ideia de repetição, do ponto de vista infantil. Quando uma criança se abastece pelo reencontro com as mesmas brincadeiras e situações e, com imaginação, cria enredos que a transportam para outros universos, ela se preenche com as sensações de prazer e desafios que o faz de conta é capaz de oferecer.

Durante estas férias, nossos fins de tarde eram sempre os mesmos, mas para nossos filhos sempre havia uma novidade. O rio nunca era o mesmo, às vezes estava raso, outras vezes mais fundo, tinha dias que ficava coberto por pedras preciosas, outras vezes cheio de folhas gosmentas. O fundo podia ter areia movediça que os sugava, ou era translúcido e dava para ver peixinhos nadando rapidamente, de um lado para outro.

No contato com a natureza, realmente é mais fácil lidar com a repetição dos dias. Num apartamento fica mais difícil, com certeza. Mas acredito que, mesmo para as famílias que não puderam viajar, algumas mudanças na configuração dos ambientes, na seleção e organização dos inúmeros brinquedos que as crianças costumam ter, podem trazer boas possibilidades de encontros com sua própria imaginação. Se ainda tiverem a possibilidade de um passeio por uma praça, uma rua arborizada ou um parque, melhor ainda.

É verdade que muitas vezes, as crianças acabam solicitando a ajuda dos adultos para conseguirem lidar com o tédio ou ausência de estímulos, mas vale apostarmos em sua capacidade de criação e nas suas formas de encantamento com o mundo , principalmente neste momento de férias escolares e segunda onda de pandemia.

Por Ana Paula Yazbek. Originalmente publicado no portal Papo de Mãe.

Um ano inteiro de chuva