Outro dia, ouvi do psicomotricista André Trindade que este ano pode ser considerado como um ano inteiro de chuva, numa analogia aos dias em que não podemos sair de casa e temos que arrumar outras formas para ocupar o tempo. Estamos atravessando a segunda onda da pandemia no Brasil e a sensação de medo, angústia e ansiedade se soma à do tédio, particularmente para as famílias com crianças que não conseguiram sair de suas cidades. O que proporcionar aos filhos, uma vez que as opções possíveis de lazer estão limitadas ou foram esgotadas nestes intermináveis meses? Será possível oferecer algo que valha a pena, algo que saia do roteiro tradicional ou do consumo?
Esta questão me fez lembrar de quando eu, meu marido e nossos filhos passamos uma temporada de férias de inverno na praia. Num fim de tarde, fomos os quatro até o canto direito, onde tinha um rio. Pedro logo mergulhou e ficou correndo de um lado para o outro. Marina ficou um tempo sentada, enfiando as mãos na areia e parecia não saber o que fazer. Não tínhamos convidado nenhuma amiga e, por um instante, vendo-a brincar, fiquei com a sensação de que talvez estivesse precisando de companhia, estivesse entediada, ou triste. Me aproximei e perguntei: – Filha, você está bem? Está muito chato brincar sem uma amiga? Não está se sentindo sozinha? Para minha surpresa, ela disse: – Não, eu não estou sozinha. Eu tenho a minha imaginação!
Essa resposta ecoa na minha cabeça até hoje, pois na simplicidade de criança, Marina me ensinou algo precioso e me fez refletir bastante sobre a ideia de repetição, do ponto de vista infantil. Quando uma criança se abastece pelo reencontro com as mesmas brincadeiras e situações e, com imaginação, cria enredos que a transportam para outros universos, ela se preenche com as sensações de prazer e desafios que o faz de conta é capaz de oferecer.
Durante estas férias, nossos fins de tarde eram sempre os mesmos, mas para nossos filhos sempre havia uma novidade. O rio nunca era o mesmo, às vezes estava raso, outras vezes mais fundo, tinha dias que ficava coberto por pedras preciosas, outras vezes cheio de folhas gosmentas. O fundo podia ter areia movediça que os sugava, ou era translúcido e dava para ver peixinhos nadando rapidamente, de um lado para outro.
No contato com a natureza, realmente é mais fácil lidar com a repetição dos dias. Num apartamento fica mais difícil, com certeza. Mas acredito que, mesmo para as famílias que não puderam viajar, algumas mudanças na configuração dos ambientes, na seleção e organização dos inúmeros brinquedos que as crianças costumam ter, podem trazer boas possibilidades de encontros com sua própria imaginação. Se ainda tiverem a possibilidade de um passeio por uma praça, uma rua arborizada ou um parque, melhor ainda.
É verdade que muitas vezes, as crianças acabam solicitando a ajuda dos adultos para conseguirem lidar com o tédio ou ausência de estímulos, mas vale apostarmos em sua capacidade de criação e nas suas formas de encantamento com o mundo , principalmente neste momento de férias escolares e segunda onda de pandemia.
Por Ana Paula Yazbek. Originalmente publicado no portal Papo de Mãe.