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Um espaço educativo de qualidade pode proporcionar desafios, autonomia, socialização e uma oportunidade para as crianças aprenderem a lidarem com seus próprios conflitos

Por Ana Paula Yazbek

Escolhi esta pergunta como tema do artigo porque a considero bastante provocativa, pois traz uma afirmação a partir do uso do verbo dever, no imperativo.  E, de fato, eu defendo esta ideia, pois acredito que frequentar um espaço educativo de qualidade traz inúmeros benefícios para a criança pequena.

Estar em casa é muito importante, mas sob algumas condições: se a criança estiver sob os cuidados dos pais (seja por revezamento ou por um dos dois não trabalhar). A partir de um ano e meio, porém, esta exclusividade de atenção pode gerar muitas tensões, e a criança precisa de um espaço no qual não tenha que corresponder às expectativas de familiares. Como afirma o pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott  no texto “A mãe, a professora e as necessidades da criança” extraído do livro A criança e seu mundo[1] , a entrada na escola fornece uma atmosfera emocional diferente da do lar, criando a oportunidade para o estabelecimento de relações pessoais profundas com outras pessoas, que não os pais, e favorece a provisão de brincadeiras construtivas.

Desta forma, estar num espaço educativo dá a oportunidade para a criança agir de modos diferentes, experimentando novas ações, sem que tenha que corresponder às expectativas de seus pais em relação ao modo como atua, ao desejo de sucesso e a proteção de frustrações, por exemplo.

É natural e desejável que os pais depositem muitas expectativas em relação ao sucesso dos filhos, mas isto pode se tornar um peso grande para a criança, quando ela precisa corresponder ao modelo de filho ideal.

A instituição educativa oferece, como Winnicott afirma no mesmo texto, para a criança e para a mãe, um espaço para arejar e higienizar as relações, garantindo que, tanto a criança como a mãe, tenham vivências diferenciadas, sejam preenchidas por outros interesses e possam experimentar o sentimento de saudade.

Neste sentido, é desejável que a criança tenha a oportunidade de frequentar um espaço educativo de qualidade[2], pois ela será inserida em um grupo que tenha outras crianças e terá uma oportunidade de convívio de natureza muito diferente da que ela experimenta em todos os lugares que frequenta (clube, parque, praça, praia, quintal, igreja…), pois a relação adulto/criança é, muitas vezes, de um para um (isso quando não são dois ou três adultos, com uma única criança) e, nestas condições, a possibilidade das crianças interagirem entre si é limitada, pois há a presença constante de adultos na mediação desta interação.

Quando a criança frequenta um espaço educativo de qualidade, o convívio que ela estabelece com outras crianças é extremamente integrador e desafiador. Integrador porque ela pode se espelhar nas ações das outras crianças, ela aprende pela imitação e pela repetição das situações. Ela também experimenta o inverso, quando as outras crianças a imitam. E com isso, estabelece-se uma troca que foge ao controle de todos os envolvidos e isso é muito saudável para a infância. É um espaço de infância, onde a infância está garantida e a criança não precisa corresponder a comportamentos fechados e estigmatizados. E é desafiador, pois ela experimenta as tensões do convívio com outras crianças, seja pelas disputas (e seus possíveis desdobramentos: choros, mordidas, empurrões) ou pela partilha de brinquedos e espaços.

Em um espaço educativo de qualidade, a rotina é integradora, pois leva em consideração as suas necessidades físicas, afetivas, cognitivas, pessoais e as suas singularidades. Mas ao mesmo tempo, por ser um espaço coletivo, oferece a oportunidade de uma autonomia no estabelecimento das relações e em sua participação nas diferentes propostas, diferentemente das crianças extremamente tuteladas por adultos.  Desta forma, ela experimenta diferentes papéis, ora como protagonista, ora como espectadora, ora atuando, ora esperando. Assim, as urgências de cada criança são percebidas de modo menos ansioso, e muitas vezes são as próprias crianças que precisam lidar com suas urgências e isso as ajuda a criar mecanismos para resolvê-las.

Para além destes aspectos emocionais, considero que frequentar um espaço educativo de qualidade é importante pois garante às crianças o acesso a objetos da cultura: músicas, histórias, produções artísticas, brincadeiras de forma planejada, sistematizada e contínua. E com isso, favorecem vivências enriquecidas, divertidas e harmônicas.

Os espaços de qualidade ao qual me refiro aqui são aqueles cuja visão de atendimento à primeira infância esteja garantido, os espaços e materiais sejam versáteis e organizados de forma desafiadora para potencializar as ações das crianças. Lugares em que as crianças sejam respeitadas e desafiadas, que possam agir, falar e movimentar-se com autonomia e segurança. Espaços em que o encorajamento para o enfrentamento das dificuldades esteja garantido, da mesma maneira em que o colo. Espaços em que o choro seja consentido, acolhido e, se necessário, traduzido em palavras ou ações. Com educadores e outros profissionais envolvidos com o  projeto pedagógico, cuja gestão do tempo tenha como foco as crianças.

Caso contrário, ou seja, se for um local em que as crianças sejam cerceadas de suas ações, as aprendizagens factuais sejam extremamente valorizadas e intensamente trabalhadas (nomes das cores, dos números e das formas geométricas, por exemplo), os educadores sejam impacientes e pouco disponíveis e a gestão do tempo seja pautada pelas demandas institucionais (limpeza dos espaços, horários da cozinha…), eu inverto a questão: será que vale a pena uma criança pequena frequentar uma “instituição educativa”?

 

[1]  Winnicott, A criança e seu mundo, Editora LTC.

[2]  Zabalza, Miguel, Qualidade em educação infantil, Artmed