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“Crianças, esses seres estranhos dos quais nada se sabe, esses seres selvagens que não entendem a nossa língua.” (Jorge B. Larossa in O Enigma da Infância, 1998)

 

Numa série da BBC os bebês estão no centro da mídia. E desta vez o foco não está voltado à sua graciosidade, nem às fraldas e mamadeiras, como usualmente aparecem e sim às suas possibilidades de inserção no mundo atual, em especial à discussão sobre os riscos e benefícios do uso de telas (tvs, tablets e telefones) pelas crianças.

No primeiro capítulo da série produzida pela BBC chamada “O Maravilhoso Mundo dos Bebês” veiculada pelo programa Fantástico da tv Globo, um psicólogo cognitivo e uma médica pediatra, apresentaram um estudo feito com seis crianças menores de dois anos, sendo três delas usuárias de telas e outras três não usuárias, no qual investigaram se havia diferenças entre os dois grupos quanto ao desenvolvimento da coordenação motora.

A primeira proposta era para investigar a coordenação motora grossa e as seis crianças tinham que caminhar sobre uma linha reta. Todas elas conseguiram, sendo que que as não usuárias caminharam com maior equilíbrio sobre a linha.

A segunda proposta era para investigar a coordenação motora fina e as crianças foram convidadas a desenhar uma linha reta, usando giz de cera. Neste caso, as crianças usuárias de telas tiveram maior sucesso, pois conseguiram desenhar as linhas retas, enquanto as outras três faziam linhas sinuosas e imprecisas.

E por fim, as crianças tiveram que empilhar o maior número possível de blocos e as que tiveram maior sucesso foram as usuárias de telas.

Com isso, somos induzidos a concluir, por esta pequena amostragem, que o uso de telas favorece este tipo de aprendizagem. 

Ao assistir a esta matéria eu fiquei pensando em muitas coisas, que partilho aqui:

Será que o reforço positivo, as felicitações recebidas ao final do percurso não induziram as respostas das crianças ao se deslocarem sobre as linhas? Será que se tivessem que andar num triciclo ou numa bicicleta sem pedal o resultado seria o mesmo para os dois grupos?

Será que o fato das crianças usuárias de telas, terem como padrão de movimento o deslizamento do dedo para interagir com estes objetos, não acabam por desenvolver mais cedo este tipo de esquema de ação do que as não usuárias? E se o traçado fosse feito com outro material?

Quais são os benefícios que uma criança tem em termos cognitivos, sociais, afetivos, sensoriais ao desenhar linhas retas e empilhar cubos? Há algum prejuízo quando a criança menor de dois anos não obtém tanto sucesso nesta tarefa?

Não sei se o estudo apresentado se propôs a responder algumas destas questões, mas me preocupo com as possíveis consequências que a veiculação acrítica sobre o atual questionamento quanto aos riscos e benefícios do uso intenso de telas por crianças pequenas, podem ocasionar.

Talvez, não seja por acaso que diversas matérias da mídia jornalística (rádios, portais de notícias e jornais) divulgaram a recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde), sobre a importância das crianças até dois anos ficarem afastadas das telas. Tal recomendação, baseia-se no fato das crianças usuárias de telas tornarem-se mais sedentárias e com isso, com maior risco à obesidade, além de apresentarem dificuldade de concentração e de terem um sono mais superficial.

Penso que para pais e mães, é preciso um cuidado e atenção especial quanto ao uso de telas. É inegável que vivemos num mundo digital, as crianças presenciam inúmeras cenas de adultos absortos diante das telas (seja por questões de trabalho, lazer ou “leseira” – como ato automático), mas isso não significa que elas devam ser usuárias das telas. Será que, todas as vezes que os adultos estão usando suas telas diante de seus filhos, seu uso é justificado? Será que é possível um maior controle?

O dia a dia com filhos e filhas demanda muita disponibilidade dos pais e das mães, para estabelecerem conversas, contato físico, trocas de olhares e brincadeiras, enfim, da possibilidade de estarem juntos. Acredito que por vezes, são os adultos que devem se dirigir ao mundo da criança e, outras vezes, são as crianças que devem participar do mundo dos adultos, sendo incluídas (ou por estarem no colo, ou por serem convocadas) a participar das tarefas e rotinas da casa.

Se o uso das telas parecer inevitável em alguns momentos, lembrem-se da importância de conhecer os conteúdos que as crianças estão acessando e sempre que possível conversem sobre os enredos, mesmo que posteriormente, pois elas não podem ficar desassistidas, sem mediação frente às telas, afinal, estão percorrendo o mundo virtual e precisam estar acompanhadas para fazer esta travessia, do mesmo modo como precisam de nossa mão para atravessarem as ruas.

por Ana Paula Yazbek