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No início do Espaço, em 2002, acreditávamos que seria importante garantir o momento de sono de cada uma das crianças, levando em consideração suas demandas físicas. Achávamos que com isso estávamos privilegiando as singularidades e garantindo o bem-estar físico e emocional de cada uma delas. Para dar conta do descanso de cada uma das crianças, sempre que necessário, uma educadora da turma precisava se deslocar para leva-la ao quarto.

Também, cuidávamos para que os rituais individuais fossem respeitados, isto é, ninávamos aquelas que precisavam do aconchego do colo, passeávamos de carrinho, com as que necessitavam de movimento e fazíamos cafunés nas que precisavam de um contato físico mais calmo e ritmado.

Conforme as turmas aumentaram, fomos nos deparando com inúmeras dificuldades para garantir a qualidade que desejávamos para este momento, pois havia crianças que demoravam bastante tempo para adormecer, mesmo estando muito cansadas, fazendo com que uma das educadoras ficasse deslocada da turma por um longo período.

Muitas vezes, uma criança que tinha acabado de adormecer, era acordada por outra que estava relutando em dormir.

Após dois anos buscando organizar o período de descanso focando neste ideal, percebemos que o que considerávamos um cuidado com as singularidades, não se efetivava como algo prazeroso para a maior parte das crianças envolvidas. Em muitas situações, crianças que estavam com sono, choravam ao serem deslocadas para os dormitórios, pois queriam participar das propostas que estavam acontecendo com as demais.

A partir de então, estabelecemos horários para o descanso de todas as crianças de uma mesma turma e passamos a chamar este momento de relaxamento.

Sabíamos que por questões fisiológicas os bebês até um ano, necessitavam de no mínimo dois momentos de descanso ao longo do período e que conforme cresciam, começavam a necessitar de um único período, mais longo, no início da tarde.

Com isso, organizamos as rotinas das turmas de forma a garantir o descanso em horários regulares. No período da manhã, os bebês passaram a dormir entre 10:30 e 11:30 e a tarde das 15:30/16:00 às 17:00. As crianças maiores de um ano que ficavam em período integral passaram a dormir das 12:30/13:00 às 14:30/15:00. E as que frequentam somente o período da tarde, passaram a dormir 15:30/16:00 às 17:00.

Quando instituímos esta mudança, vivenciamos muitas dúvidas sobre a qualidade que estávamos oferecendo às crianças, pois as resistências ao adormecer em alguns casos ficavam ainda mais evidentes. Fomos cuidando, para que o ambiente do quarto se tornasse o menos estressante possível. Conversamos muito com as crianças sobre a importância de descansarem e procuramos nos antecipar na organização do ambiente e dos acessórios (chupetas, paninhos, pelúcias), para que todas se sentissem acolhidas e convidadas a adormecer coletivamente.

À medida que o tempo foi passando, o momento do descanso foi se tornando bastante tranquilo. As crianças escolhiam onde queriam dormir, as que tinham necessidade, recebiam seus objetos de apego e eram embaladas com cantigas, balanços sutis no corpo ou cafunés.

A partir de então, vimos mantendo os horários coletivos de descanso, mas também garantimos o sono de quem precisa dormir em outro horário. 

Em diferentes épocas do ano, precisamos reavaliar, para que não se torne um momento impositivo, que não respeite a necessidade efetiva de sono de cada uma das crianças.

Embora tenhamos estruturado a rotina institucional de descanso, a cada ano, temos que estabelecer os rituais próprios para as turmas e para cada criança.    

No início do ano, por conta da adaptação de novas crianças, quando chega a hora do relaxamento,  muitas demonstram estranhamento, choram e se recusam a adormecer, mas, dia a dia, vão ganhando segurança e em pouco tempo incorporam este momento de modo seguro.

Para organizar o descanso de qualidade, levamos as crianças já habituadas ao quarto e mantemos o ritual já conhecido por elas. Com as crianças novas, inicialmente, procuramos garantir que durmam e isso pode ocorrer tanto num passeio num carrinho, ou sendo embaladas no colo na área externa ou mesmo com a ajuda de quem a estiver acompanhando na adaptação.

Depois, vamos apresentando-lhes o quarto e fazendo tentativas para que se ambientem com este espaço e consigam adormecer por lá. De modo geral, ocorrem muitas idas e vindas, até que conseguimos garantir a tranquilidade e qualidade deste momento para todas as crianças.

Quando isso ocorre, ficamos com a sensação de muita alegria, pois é encantador ver cada uma das crianças, caminhando tranquilamente até o dormitório, escolhendo onde deitar e recebendo os acessórios que as ajudam a adormecer.

Há as que cantam para se embalar, outras enroscam os dedos nos cabelos, outras ficam virando até achar uma posição confortável… e em pouco tempo todas estão dormindo. Há aquelas que dificilmente dormem, mas que aproveitam para descansar e ficar em contato consigo mesmas, se reabastecendo para continuar brincando, após o descanso.

Nas turmas das crianças maiores, devido a mudanças nas turmas (chegada de novas crianças, saídas de outras, convívio com novas educadoras) e ao próprio crescimento, a resistência começa a aparecer de modo mais frequente, pois elas deixam de necessitar do descanso no início ou meio da tarde, mas acabam sendo vencidas pelo cansaço no final do dia e adormecem num horário que irá interferir no sono noturno. Como já brincam mais entre si, a ida coletiva ao quarto acaba virando uma grande bagunça e pode se transformar num momento bastante agitado.

Sempre ficamos em dúvida, se efetivamente o sono é necessário para estas crianças maiores. E nas situações em que permanecem acordadas avaliamos como fica o bom humor e disposição. Nos últimos anos, definimos que somente aquelas que ficam em período integral, ou que chegam para almoçar devem ter um horário estabelecido de descanso. As demais, podem continuar a soneca do carro no momento da chegada do período da tarde ou descansarem próximas ao grupo no meio da tarde. 

Assim, sentimos que cuidamos cada vez melhor da singularidade de cada uma das crianças e garantimos seu bem-estar físico e emocional, conversando e cuidando dia a dia da organização da rotina de sono, a fim de que cada criança possa ter seu descanso assegurado. E sempre nos mantemos atentas para que nenhuma criança seja obrigada a dormir, sem que tenha necessidade física. 

Por Ana Paula Yazbek