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Após um ano, estamos atravessando o pior momento da pandemia no Brasil.

O que aprenderam, como se adaptaram, o que inventaram nesta permanência entre quatro paredes? Quais são os impactos dessa longa permanência?

Para refletir sobre essas questões escolhi pensarmos sobre o corpo das crianças. Sim, porque somos corpo o tempo inteiro, não apenas quando nos movemos. Somos corpo quando respiramos, quando sentimos cheiros, quando ouvimos, quando enxergamos, quando pensamos. Essa integralidade é essencial para entendermos melhor o que nós, e principalmente as crianças, estão atravessando.

O primeiro aspecto é o corpo como risco. A pandemia trouxe a desconfiança e o afastamento corporal. O corpo do outro é potencialmente perigoso, devemos utilizar máscaras que nos protegem, mas que afastam a percepção da criança sobre as nossas expressões faciais. O toque, o abraço e o acolhimento, tão essenciais nas relações entre as crianças e delas com os adultos, tiveram que ser substituídos por cotovelos. Lembro de um experimento que aprendi na minha infância que consistia em apertar a pele que recobre o cotovelo com toda a força. Era impossível sentir dor. A pele que recobre essa região tem pouquíssimos nervos. O abraço e o acolhimento são formas de materializar o afeto, dar segurança, contorno, liberando hormônios importantes, como a endorfina e a oxitocina, responsáveis pela sensação de bem-estar e felicidade. Neste cenário foram substituídos pela adrenalina e noradrenalina, hormônios do estresse e do medo.

Outro ponto diretamente relacionado ao corpo diz respeito ao espaço. Precisamos de espaço para nos movermos, ver a luz do sol, ver o horizonte, interagir com ambientes abertos e diversos. A restrição domiciliar tem causado sofrimento físico e emocional para algumas crianças. Ainda que elas consigam, através do brincar, ocupar uma parte de suas rotinas, chega um momento em que surgem sentimentos como frustração e ansiedade.  Parece que estamos experimentando um estado de confinamento, restrito aos animais enjaulados.

A dimensão temporal do corpo também tem sido muito comprometida. A rotina de uma jornada diária que consistia em tempo de acordar, alimentar-se, vestir-se, sair, brincar com outras crianças, repousar, ouvir histórias em rodas, voltar para a casa, tomar banho, jantar e dormir, deu lugar para um único só lugar e pessoas. Ouço de algumas professoras com filhos e filhas que está tem sido uma das partes mais difíceis para as crianças. Elas querem sair, ir à escola, encontrar seus educadores e amigos.

O corpo e a tecnologia nunca estiveram tão próximos às crianças como nesse último ano. As aulas e os encontros online, para aqueles que podem acessá-los, têm sido a forma possível de manter as crianças em contato com seus colegas e educadores. Mas o corpo humano foi moldado para a troca presencial. É nela que podemos tocar, cheirar, ouvir diversas vozes simultaneamente, enxergar tridimensionalmente, sentir o calor, o frio. Penso que quando voltarmos ao normal, teremos que desintoxicar as crianças de tanta tela, dá-las liberdade de movimento, de expressão, de ludicidade. As escolas precisam resgatar, continuar e encontrar ricas experiências educativas para que as crianças usufruam de seus corpos como instrumento de relação e expressão de afetos.

Encerro esse texto acreditando na capacidade plástica do corpo das crianças, ou seja, na capacidade de se reinventar, de se transformar, adquirir novas competências, saber ler o que está acontecendo a sua volta e aprender as respostas mais adequadas. Neste sentido, sugiro que assistam ao documentário “Brincar em Casa”, do Território do Brincar.

Um forte e carinhoso abraço.

Por Ana Paula Yazbek

Texto publicado no dia 07 de abril no blog papo de mãe https://papodemae.uol.com.br/2021/04/07/como-animais-enjaulados-o-corpo-das-criancas-na-pandemia-de-covid-19/