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Gostaria de começar esse texto convidando você, leitor, a lembrar das suas brincadeiras de escola: Com quem brincava? Do que brincava? Onde brincava? Quando brincava? Que brincadeiras foram mais marcantes? E riscos e acidentes ocorridos? Guarda alguma cicatriz?  

Sempre brinquei bastante na escola. Gostava muito de ficar no tanque de areia, construir castelos, fazer rios, buracos que se tornavam túneis subterrâneos para tocar as mãos dos meus colegas. Havia pelo espaço da escola alguns túneis de concreto coloridos em vermelho e amarelo, daqueles utilizados para águas pluviais ou esgoto que foram transformados em brinquedos. Gostava de ficar dentro, subir, chamar outras crianças para criarmos histórias e aventuras. As brincadeiras de pega-pega, polícia e ladrão faziam com que corresse e sentisse meu coração saindo pela boca. A brincadeira de meninas perdidas, na qual imaginávamos uma ilha no jardim circular, era minha preferida. Inventávamos enredos como se fossemos adolescentes, sem pai e mãe, e tivéssemos que passar o dia, às vezes semanas, num lugar inóspito. Lembro-me da Sissi, minha professora da 4º série. Na nossa classe tinha uma pequena antessala e Sissi a arrumou com almofadas, livros, gibis e plantas. Quando terminávamos o que tínhamos que fazer, podíamos ficar nesse ambiente, bem mais interessante do que as mesas e cadeiras das lições.  

Estas e outras lembranças que não cabem nesse texto, influenciaram a minha personalidade. É curioso que guardo menos recordações do que estudávamos, do que das brincadeiras e dos momentos compartilhados com meus amigos e amigas. Hoje, como diretora pedagógica, procuro refletir sobre a importância da brincadeira em toda a escolaridade. É óbvio que a função social da escola é propiciar o domínio da leitura, da escrita, da matemática, das ciências humanas, sociais, da arte, das linguagens. Porém, acredito que a brincadeira desempenha um papel importantíssimo para a formação integral dos estudantes. E não me refiro apenas às crianças, mas também aos adolescentes e jovens. Para que fique claro o que estou querendo dizer como brincadeira, é interessante localizar alguns pontos. Considero brincadeira aquilo que se realiza de corpo inteiro, ou seja, com muita entrega, disponibilidade, prazer e de forma integral. A mão que mexe é tão importante quanto o cérebro que pensa, ambos são corpo. Considero brincadeira quando há autonomia e escolha, ou seja, quando as crianças, os alunos e alunas não são direcionados(as) e controlados(as) externamente para dar as respostas que os(as) educadores(as) esperam. Considero brincadeira quando há desafios e possibilidades em aberto, permitindo que sempre se descubra o inusitado, a surpresa.  

A escola sempre teve dificuldade de se relacionar com a brincadeira, o jogo. Um dos motivos foi a necessidade de se manter a ordem, a disciplina e a fragmentação do conhecimento. Mas a brincadeira, ainda que contida, sempre esteve lá, fosse na hora do recreio, no parque, no tanque de areia. Em alguns momentos, a escola se aproximou do brincar de forma equivocada, disfarçando as atividades em brincadeiras, acreditando que desta forma as crianças aprenderiam os conteúdos “mais facilmente”. Ledo engano, elas sabem diferenciar o que é brincar e do que é “atividade”. E é justamente esse ponto que gostaria de tratar. O que se aprende quando se brinca na escola? Se for para aprender forma geométrica, letras, palavras e cores, é melhor não brincar. Usar a brincadeira como artifício pedagógico de conhecimentos que são aprendidas nos seus contextos de uso, é um desperdício. Na minha opinião, quando se brinca na escola aprende-se a interagir com o mundo, com as pessoas, com a funcionalidade dos objetos (caixas, pedras, gravetos etc.), dos espaços (pátios, quadras, rua, terra, tanque de areia), das regras (o que pode ou não) e do corpo em movimento (saltos, giros, equilíbrios, lançamentos, corridas etc.). A brincadeira é o melhor instrumento para a criança interagir com a cultura de forma ativa, protagonizando o seu conhecimento. Talvez você se pergunte: E os adolescentes e jovens? Eles também brincam? Certamente, mas suas brincadeiras acompanham suas formas abstratas e hipotéticas de interagir e pensar sobre o mundo, indo além do simbólico e concreto das crianças. Cabe às escolas, que estiverem dispostas a não permanecerem iguais às do século XX, descobrir e assegurar formas mais lúdicas e criativas de se relacionar com o conhecimento. 

Por Ana Paula Yazbek