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Como educadora insisto em acreditar num mundo melhor. Insisto em acreditar em pessoas melhores. Insisto em investir na infância como um espaço fundamental para o desenvolvimento humano e para a promoção da saúde individual, coletiva e social.

Respeitar a infância, entre outras coisas, é dar o pleno direito à brincadeira, às invenções e descobertas, à imaginação, aos amigos, ao tempo livre, à natureza, livre das informações e preocupações diária dos adultos. Pensar desta forma não me faz romantizar a visão do humano e da infância como algo inocente, doce e carinhoso. Criança também chora, faz birra e agride.

O que quero dizer é que encontrar um equilíbrio na relação entre adultos e crianças é bastante desafiador para o momento que vivemos.

Nestes dias, por ocasião do aniversário de um tio querido, além de várias mensagens de WhatsApp, seus irmãos compartilharam várias fotos e lembranças da época de infância, vividas nas décadas de 40/50. Nas imagens e  textos, ficava explicito o quanto as crianças viviam sua infância distantes dos olhares dos adultos. Havia uma fronteira clara entre a realidade destes dois mundos. As crianças ocupavam os quintais e ruas com suas brincadeiras, enquanto os adultos ocupavam a casa com seus afazeres, conversas e barulhos (que muitas vezes deixavam as crianças em dúvida se eram risadas ou brigas). Lógico que havia encontros, momentos de histórias e cuidados, assim como momentos de “correção” com broncas e castigos por alguma desobediência  da criança. Na casa de minha avó paterna, um dos castigos era ajudar na cozinha para depenar a galinha que seria servida no almoço, picar legumes, preparar o arroz… o que fez com que meu pai se apaixonasse pela cozinha e continuasse “aprontando” com os irmãos. Paixão que guarda até hoje, para sorte de todos os filhos, netos e amigos!

Eu mesma, criança dos anos 70/80, tive muitas oportunidades de brincar longe da vista de qualquer adulto, me embrenhava por horas com meus irmãos e amigos pelos morros de nosso sítio, andava pelas costeiras na praia e passeava sem rumo de metrô pela cidade de São Paulo.

Certamente, vivemos outra realidade e esse saudosismo não significa que não tínhamos as nossas preocupações, os nossos medos, os nossos defeitos. Hoje as cidades se tornaram mais perigosas e a possibilidade de crianças andarem sozinhas pelas ruas parece ser impensável[1].

As crianças, cada vez mais, ocupam lugar de centralidade na rotina da casa. O quintal e a rua se fundiram com as casas e apartamentos. As crianças quase não têm tempo livre para criar as suas próprias brincadeiras e descobertas e, quando têm, o ocupam com tvs, jogos eletrônicos e tablets. Sentir tédio? Não saber o que fazer? Nem pensar! As super agendas estão aí para ocupá-las durante a semana! Aos poucos, suas rotinas vão se aproximando às dos adultos. Este mundo de iguais não é saudável para ambos. Perde a criança, estressada e ansiosa em corresponder às expectativas da família, perde o adulto, frustrado por não atender às expectativas da infância. Pensarmos num equilíbrio nesta relação é fundamental para a saúde individual e coletiva das famílias. Concordam?

[1] Infelizmente isso só se aplica a uma faixa socioeconômica, pois há muitas crianças em vulnerabilidade social que transitam pelas ruas, sem que tenham um adulto responsável acompanhando-as.

Por Ana Paula Yazbek

Texto originalmente publicado no portal Papo de Mãe, em https://papodemae.uol.com.br/2021/02/10/lugar-da-infancia/