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Gostaria de compartilhar uma situação que precisa ser tratada com bastante atenção na infância, quando pensamos sobre competição e cooperação. Durante uma brincadeira conhecida como “Rio Vermelho” uma criança voltou a sua atenção para ser a primeira a conseguir atingir o objetivo. Se o desafio era atravessar pulando, prontamente anunciava que tinha sido a primeira a chegar, pontuando a segunda, a terceiro e as demais. Ainda que a avisasse que não era necessário se preocupar com a ordem de chegada e que o importante era se divertir, ela insistia em me avisar que era sempre a vencedora. Quando eventualmente isto não acontecia, modificava a regra e a moldava ao seu entendimento do jogo. Um detalhe importante da brincadeira era que as demais crianças eram bem menores e não estavam preocupadas com o resultado. No encontro seguinte, quando fomos brincar de subir e descer o gramado, a preocupação com o resultado e com a colocação ainda permanecia. Ao convidar as crianças para novamente brincar de Rio Vermelho, desta vez no tanque de areia, somente ela se interessou e as demais preferiram se divertir livremente neste espaço. Pronto. Começava um choro intenso e sofrido, pelo fato das outras crianças não participarem e não seguirem as regras da brincadeira. Sentei ao seu lado e comecei a explicar que as crianças não estavam interessadas no jogo e que poderíamos tranquilamente dividir o espaço com elas. Não adiantou. Ela insistia, chorando, que essa não era a regra, que as crianças não poderiam ficar na areia, que deveriam ficar ao seu lado. Pedi que tentasse respirar profundamente para se acalmar. Quando perguntei porque estava tão incomodada, me respondeu:

– São essas regras! São essas regras na minha cabeça! São essas regras!

Nesse instante, percebi que deveria mudar a minha abordagem, abandonando a retórica e partindo para uma conversa mais lúdica e simbólica.

– Então já sei! Farei uma mágica de tirar as regras da sua cabeça! Zabim! Zabá! Tira essas regras da cabeça já!
– Melhorou! Disse abrindo um largo sorriso!

Voltamos para a brincadeira e nos divertimos como tubarões, cangurus, sacis, etc.
O que esta situação nos revela? Essa criança certamente está sofrendo com as regras e tentando estabelecer relações que ainda estão além das suas possibilidades afetivas e morais. Aos quatro anos a preocupação com a competição, com o resultado, inevitavelmente traz angustia, uma vez que o pensamento egocêntrico, característico desta idade, impossibilita o olhar para o outro, o descentrar-se, o pedir com o outro, inerente a competição. Para competir é necessário que a criança adquira um pensamento que opere com as competências próprias e a dos outros, que seja regrado e concreto. Algo que de maneira geral começa em crianças a partir dos sete anos.
Desta forma, não ser o primeiro, não atingir o objetivo, não controlar o jogo do Rio Vermelho, desestrutura o seu pensamento, por excelência um pensamento simbólico, representativo e imaginativo. E foi justamente com esse tipo de representação de mundo, com as minhas palavras mágicas, e não com uma explicação detalhada e racional da situação vivida, que ela se sentiu melhor e conseguiu voltar a brincar. Afinal, do que vale ser criança, se faltar o pensamento simbólico e lúdico? O mundo da primeira infância definitivamente não está para a competição.

Por Prof. Marcos Santos Mourão (Marcola)