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“É desejável que as crianças aprendam sobre leitura e escrita na educação infantil?”

“Se houver esse compromisso as crianças não deixarão de fazer outras coisas mais importantes para elas, como brincar e se socializar?”

“Antecipar o processo de alfabetização beneficia o desenvolvimento cognitivo?”

“É importante estimular e preparar a criança para o momento da alfabetização?”

“Qual o melhor método de alfabetizar crianças pequenas?”

 

Essas e outras perguntas colocam em evidência um dos debates mais recorrentes e acirrados sobre a educação infantil e que mais geram dúvidas nas famílias: o da alfabetização. Uns, de um lado, defendem que as crianças não devem ser expostas a práticas de leitura e escrita precocemente, pois essas práticas as afastariam das atividades próprias da infância, outros, em oposição, argumentam que a antecipação da alfabetização é bem-vinda, pois colabora com o desenvolvimento cognitivo e ajuda as crianças a enfrentarem com mais facilidade e maior segurança os desafios das etapas posteriores da vida.

Para superar a polarização em um debate é necessário conhecer as concepções que sustentam as diferentes ideias e assumir pressupostos para a construção de uma posição mais bem formada sobre o tema.  Neste caso, é importante levar em conta alguns aspectos: a concepção que se tem de criança e de educação infantil, o que se entende por linguagem escrita e sobre como as crianças aprendem a ler e a escrever. Aqui neste espaço nos dedicaremos à exposição do que pensamos sobre esses pontos e ao esclarecimento sobre como essas ideias estão relacionadas com nossa proposta de trabalho.

Concebemos a infância como um entre os vários momentos de vida; marcada por formas próprias de se relacionar com o mundo; situada no tempo, no espaço e na cultura, por isso, com muitas e diferentes possibilidades expressão. E entendemos as crianças como sujeitos, que embora tenham características diferentes das dos adultos, são pessoas completas e capazes, que recebem influências e influenciam diretamente o seu meio, pois participam ativamente de sua cultura. Defendemos, portanto, o seu direito de viver plenamente a infância, ou seja, consideramos que devem ter liberdade para agir e interagir ao seu modo com o mundo, tendo asseguradas as necessidades intrínsecas ao seu desenvolvimento integral.

Compreendemos, portanto que a escola de educação infantil deva se constituir a partir desses princípios, respeitando as características e direitos das crianças. Ou seja, nela as crianças pequenas devem ter a garantia de poder, mediante brincadeiras, explorações e oportunidades de participação em atividades sociais e culturais diversificadas, interagir de forma segura com tudo aquilo que lhes interessar e despertar sua curiosidade, sendo respeitadas e legitimadas as suas formas próprias de pensar e de se expressar. 

Para se desenvolver harmônica e integralmente, as crianças precisam ter experiências em diversos campos e que articulem diferentes linguagens. Assim como as linguagens visuais, gestuais, musicais, dramáticas, a linguagem verbal em suas formas oral e escrita são parte indissociável de nossa cultura e as crianças convivem e interagem com elas desde que nascem. Nessas interações potencializam as suas experiências individuais e coletivas e ampliam suas formas de conhecer e dar sentido ao mundo. 

Sabendo disso, assumimos o compromisso de ampliar as oportunidades de experiência das crianças com todas as linguagens presentes em nossa cultura, em suas formas genuínas de expressão e de forma equilibrada.  Logicamente, incluem-se nessas oportunidades, as interações com a linguagem escrita.

Ao participar de situações envolvendo leitura e produção escrita (ler histórias e conversar a partir delas, ditar um bilhete para o professor escrever, pesquisar um livro informativo, escrever ao brincar de faz-de-conta) as crianças podem aprendem muitas coisas: a escutar e a falar melhor, sobre universos aos quais não têm acesso direto, a elaborar suas próprias ideias e criar argumentos, sobre sentimentos humanos, sobre suas preferências estéticas, sem contudo precisar saber ler e escrever convencionalmente. Entendemos assim, que as crianças podem ser usuárias da língua escrita e se beneficiar desse contato muito antes de saberem ler e escrever convencionalmente.

No entanto, as crianças, curiosas e inteligentes, quando participam dessas situações também pensam sobre a própria linguagem escrita e aos poucos percebem as diferenças entre o que se fala e o que se escreve, observam os gestos de quem escreve, notam a presença de elementos gráficos diferentes dos desenhos, compreendem que existem regularidades na escrita e levantam hipóteses sobre seu funcionamento, entendem que a escrita tem funções variadas. Algumas crianças, a depender de seu nível de interesse, chegam até a se alfabetizar.

Considerando todos esses apontamentos, entendemos que o processo de alfabetização é desencadeado com a participação da criança na cultura escrita. Na verdade, em nossa concepção, esse processo não só é desencadeado dessa maneira, mas também se completa por meio dessa participação nas práticas sociais e assim vai sendo aprimorado pelo o resto da vida, mesmo que em determinados momentos da escolarização sejam importantes mediações e intervenções mais focadas do professor com intuito de atingir tal propósito. Este não é o caso da educação infantil, muito pelo contrário, o trabalho com a língua escrita com crianças pequenas não pode jamais ser realizado por meio de práticas desprovidas de sentido social e comunicativo, nem ser centrado na compreensão do sistema alfabético, o que não minimiza a sua importância neste segmento.

Concluindo, em nossa proposta pedagógica buscamos compreender e respeitar as crianças em suas capacidades e suas necessidades, assim como intentamos compreender e respeitar a linguagem escrita como objeto social e cultural, como um sistema complexo com diferentes usos e funções que vai sendo apropriado processualmente ao longo da vida. Dessa maneira, seja na educação infantil, ou no ensino fundamental, as crianças jamais serão privadas de suas necessidades de brincar livremente, de se socializar, ou de vivenciar as outras linguagens para em lugar disso realizar atividades que tenham como único propósito a alfabetização instrumental. A língua escrita entra em nosso cotidiano como elemento enriquecedor de experiências individuais e coletivas que conjuguem os desejos, as necessidades e as possibilidades de participação das crianças em um movimento contínuo de construção e reconstrução de uma escola conectada ao mundo e à vida.

por Ana Lúcia Bresciane