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A inteligência da criança durante este estágio é fundamentalmente prática, ligada aos sensorial e à ação motora. Os êxitos mais destacados são o estabelecimento da conduta intencional, a construção do conceito de objeto permanente e das primeiras representações e o acesso à função simbólica. (PALACIOS, J. e LUQUE, A. P. 58).(2)

A criança até o aparecimento da linguagem é alguém que se relaciona com o mundo através das sensações/sentidos e da ação/exploração motora. Ela conhece o mundo estabelecendo relações progressivas entre os objetos e os atos que realiza. Desenvolve gradualmente a intencionalidade de suas ações, coordenando seus esquemas de ação. Interage com o mundo pelos sentidos, a partir do tato, da visão, da audição e do paladar. Leva objetos à boca e assim experimenta sensações em relação à temperatura, densidade, textura, sabores dos objetos e assim estabelece relações com e entre eles. Relações estas que são pautadas pelas circunstâncias, pelo prazer e desprazer que o objeto causa naquele momento. Ela pega um objeto, aperta, amassa, puxa, lança, vai atrás (ou o recebe de volta), experimenta novamente as sensações; com isso, vai construindo e criando esquemas de ação em relação a eles. 

É importante que o educador de crianças pequenas saiba disso para que possa propor situações que sejam interessantes, desafiadoras e garanta, também, sua segurança. Se, por exemplo, sabe-se que elas irão levar tudo à boca, muitos objetos não poderão ficar à disposição. Também haverá espaços que não poderão frequentar. Caso o educador queira correr o risco de oferecer objetos e espaço que não sejam tão seguros, ele deverá se fazer presente para controlar os riscos, pois não será somente informando-as que não podem fazer determinada coisa, que elas não farão. 

Isso pode parecer bastante óbvio quando se fala de bebês pequenos, mas à medida que as crianças vão crescendo e passam a se relacionar com o mundo de forma um pouco mais intencional, é comum que se categorize algumas de suas ações sob a ótica e lógica adulta: 

Ela está fazendo isso, porque está me desafiando! Pois eu já falei muitas vezes que não pode subir neste lugar!”. 

Esta concepção de criança que está desafiando, que está fazendo aquilo que o adulto já informou que não é desejável que faça, precisa de uma reflexão um pouco mais aprofundada. 

É fato que todos os educadores desejam que as crianças percebam o que podem, o que não podem fazer, entendam e se submetam às regras colocadas. Esse é o papel da educação! Agora, é importante que saibamos que ao lidar com crianças bem pequenas, as regras precisam ser visitadas e repetidas inúmeras vezes. Porque será pela repetição de ação e de nossa presença que elas conseguirão construir novos esquemas de ação. Por conta disso, é fundamental que a leitura que os adultos fazem de suas ações não seja calcada por uma ótica reducionista: “Ela está fazendo isso para me provocar, eu já disse que ela não deve fazer isso!”, mas ser trocada por: “Eu preciso repetir tantas vezes, porque esta criança irá repetir aquela ação que eu disse que ela não pode fazer, porque ela está justamente compreendendo esse limite. E irá compreendê-lo experimentando muitas maneiras de agir frente ao limite colocado!”. 

É importante também que o adulto conheça como a criança se comunica, para buscar formas mais eficientes de comunicação. A comunicação verbal é fundamental no estabelecimento da interação, mas não precisa ser traduzida por um falatório ao qual a criança não consegue acompanhar. 

Isso pode parecer um pouco mais complicado para se colocar em ação, mas é necessário que o discurso do adulto seja claro, direto e ao mesmo tempo busque o estabelecimento de um diálogo, mesmo que ele ocorra com respostas dadas por olhares, gestos, suspiros. Acredito que o adulto deva buscar este entendimento, porque muitas vezes nos relacionamos com as crianças falando continuamente, mas terminamos nosso discurso com perguntas fechadas, (“Entendeu? Pronto? Combinado?”) e quando ela responde afirmativa, ou negativamente, acreditamos que compreendeu o que falamos; entretanto, ela irá demonstrar seu entendimento na ação. Essa compreensão na ação vai fazer com que repita aquilo que foi falado e sugerido, ou, pelo contrário, que faça justamente o oposto. E aí, será possível saber como a criança compreendeu essa comunicação. Seja fazendo efetivamente o que foi sugerido, ou pela oposição. Isso é um desafio muito grande para nós educadores, porque quando ela atua por oposição, nos é muito difícil achar que ela está de fato tentando entender aquilo que foi colocado. 

É importante também, olhar a criança do ponto de vista de sua constituição de sujeito. Nesta faixa etária ela ainda não se percebe como eu, se referindo a si em terceira pessoa e nós precisamos interagir com ela na primeira pessoa. É comum, também, os educadores se referirem a si em terceira pessoa, mas é preciso que façamos um esforço de nos referirmos a nós mesmos em primeira pessoa: “Venha comigo, eu sou a Ana!”, e não “Venha com a Ana!”. Com isso, pouco a pouco, a criança vai construindo uma percepção do mundo, de si, do outro, do é meu, é seu, o que irá auxiliar na compreensão de quem são os sujeitos das ações. 

Outro aspecto a ser considerado, diz respeito à organização dos espaços destinados a elas. Sendo necessário levar em consideração os desafios que serão colocados, cuidar de sua segurança, ao mesmo tempo em que se busca favorecer diferentes possibilidades de ação. Nesse sentido, muitas vezes observamos que as propostas levadas para as crianças são muito tuteladas, muito fechadas, nas quais são estabelecidos passo a passo o que devem fazer, e não deixam espaço para a criação. Por outro lado, há situações muito abertas, nas quais faltam um contorno, quando podem fazer tudo, mas não são efetivamente olhadas, observadas pelos adultos. 

Devemos nos abrir para as possibilidades das crianças agirem de forma mais consistente. Isso significa que o desafio do educador está em levar uma proposta e a partir dela observar como irão interagir e, durante essa ação, devemos refletir sobre as intervenções possíveis. Muitas vezes, podem ser intervenções de observação apenas. É importante que o educador de crianças pequenas saiba distinguir o que é uma intervenção que irá cuidar de sua integridade física (que deve ser rápida), de uma intervenção de encorajamento, na qual até possam correr um certo risco, mas a partir do que fazem, podem-se oferecer outros desafios. É importante que saiba lidar com o imprevisível, pois esta imprevisibilidade, muitas vezes, é promotora de aprendizagens, tanto para as crianças, como para os educadores. 

Então é por isso que é muito importante que os educadores conheçam o modo como as crianças interagem com o mundo, porque a partir desse entendimento, a leitura que podemos fazer de suas ações pode ser muito mais ampla, muito menos “adultocêntrica” (centrada no adulto), do certo/errado, do pode/não pode, como se houvesse sempre apenas duas possibilidades, uma oposta a outra. 

Quando uma criança faz algo que não é desejável que ela faça, ela está nos dizendo algumas coisas, então devemos buscar entender e oferecer maneiras de ajudá-la a fazer de um jeito melhor. Essa é uma compreensão importante, para que na interação com as crianças tenhamos um procedimento mais efetivo e construtivo.

por Ana Paula Yazbek(1)

 1. Ana Paula Yazbek é pedagoga formada pela Faculdade de Educação da USP, com especialização em Educação de Crianças de zero a três anos pelo Instituto Singularidades; iniciou mestrado na FEUSP em 2018 e está pesquisando sobre o papel da educadora de bebês e crianças bem pequenas. É sócia-diretora do Espaço Educação Infantil, escola que atende crianças de toda Educação Infantil (dos 0 aos 5 anos e onze meses). Além de acompanhar o trabalho das educadoras, atua em cursos  de formação de professores desde 1995 e desde 2002 está voltada exclusivamente aos estudos desta faixa etária.

2.  LUQUE, Alfonso; PALACIOS, Jesús. A inteligência sensório motora. In: COLL, Cesar; PALACIOS, Jesús; MARCHESI, Alvaro (Org). Desenvolvimento Psicológico e Educação – Psicologia Evolutiva. Vol.1. Porto Alegre: Artes Médicas. 1995.