Em função de um quadro de pandemia para o qual ninguém estava preparado, os professores e escolas, assim como muitos profissionais e setores, tiveram que se adaptar a uma nova forma de trabalho. Este cenário remeteu a um mar de novidades. A atuação cotidiana dos educadores sempre aconteceu na relação direta com as crianças, com todas as imprevisibilidades, negativas, contradições e conflitos inerentes.
Ficar afastado e ter que preparar vídeo, fazer encontros on line, edições de filmes e reuniões à distância, eram composições diferentes da prática educativa, até então. A primeira pergunta que as escolas se fizeram foi o que propor às crianças neste distanciamento? Como dar continuidade ao que vinha sendo realizado, que ajustes seriam necessários, o que seria e o que não seria possível? Esta situação emergencial, por si só, aflorou muitas questões, tanto positivamente, como negativamente, pois o que é apresentado às crianças nesta educação à distância tem uma relação direta com a visão de sujeito e seus direitos de aprendizagem, além do papel do educador e da escola.
Quando a escola assume verdadeiramente o papel da criança como um sujeito ativo na relação de mediação com os objetos de conhecimento, a natureza das propostas oferecidas é diferente de quando a olha para um sujeito passivo, que tem como função apenas reproduzir as respostas esperadas.
Algumas matérias em sites, blogs, revistas e jornais têm apontado a insatisfação de algumas famílias com a educação emergencial a distância. Entre elas, nos chamou a atenção uma que dizia ser desumano que as crianças paguem um preço tão alto, por algo sem sentindo. O preço a que se referia a matéria, era o número de atividades diárias, incompatíveis com a maturidade e com “zero significado” para as crianças pequenas.
A impressão que tivemos, ao ler isso, foi a de que aquela família tinha se deparado com uma novidade, como se até então, escolas cuja concepção de crianças cumpridoras de tarefas, fizessem um excelente trabalho presencial e “se perdessem” nas propostas à distância. Porém, o fato é que sempre foi desumano o que as escolas controladoras fazem com as crianças, oferecendo cotidianamente propostas sem sentido e significado, com respostas únicas e prontas, com inúmeras atividades de repetição mecânica que apenas as incentivam a serem passivas e a obedecerem. A diferença é que agora está exposto no cotidiano familiar.
No espaço ekoa a primeira preocupação que tivemos foi a de manter a conexão e o vínculo com as crianças e suas famílias, dada a situação de afastamento. Ainda que recomendemos a restrição ao uso de telas para as crianças, essa tem sido uma forma de nos fazermos presentes, emitir nossas palavras, nossas músicas, nossas poesias e nossos gestos. Nossos encontros são breves e não estão focados no ensino de conteúdos, mas nas interações e brincadeiras possíveis para as crianças. Nos preocupamos também neste momento em acolher as famílias, ajudá-las com suas crianças em casa, numa ação de complementariedade, sugerindo histórias, listas de livros e filmes, preparos de tintas, apreciações de imagens, recitais de poemas, músicas, preparos de receitas, brincadeiras com o corpo e o movimento e não meras imposições de atividades diárias.
O retorno das famílias do espaço ekoa sobre os encaminhamentos on line e o envolvimento dos(as) filhos(as) tem variado de acordo com cada situação. Há crianças que adoram participar e acompanham quase tudo o que enviamos e outras que se recusam a ver. Não vemos isto como um problema, pelo contrário, servem como fontes de reflexão sobre o trabalho que realizamos e da garantia de princípios que nos são extremamente caros: escuta, respeito, conexão e inclusão de diferentes respostas aos contextos que criamos. Na Educação Infantil, em todas as situações, presenciais ou à distância, precisamos acolher as crianças e não sobrecarregá-las.
Por Marcos Santos Mourão e Ana Paula Yazbek