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Ekoa responde: Como ensinar as crianças a lidar melhor com o próprio tempo?
Por Ana Lucia Bresciane | Coordenadora pedagógica

Em um ano em que “ansiedade” é eleita palavra-chave de 2024 para os brasileiros, é fundamental repensar se estamos ensinando as crianças a viverem com mais calma e mais alma.

‘Brain rot’ (“atrofia cerebral”, em português) é a palavra do ano do dicionário de Oxford. O termo se refere ao sentimento de exaustão mental após ficar horas rolando os feeds das redes sociais. Indo em direção semelhante, no Brasil, “ansiedade” foi eleita a palavra de 2024 por 22% dos brasileiros, de acordo com uma pesquisa do Instituto Ideia.

Diante disso, me vem à mente o seguinte ditado dos índios guaranis (Região das Missões): “Quem vai depressa demais, deixa a alma para trás. Nós estamos todos nos levando”. Isso porque, ao escutar esse ditado guarani é inevitável o questionamento sobre como temos gerenciado nossos tempos e sobre o que vem guiando a caminhada humana no mundo contemporâneo.

Preocupados com a produtividade, em dar conta das demandas diversas do trabalho e das responsabilidades assumidas no cotidiano, em absorver o volume de informações que se amplia a cada dia, em cumprir os diferentes papeis assumidos nos diversos âmbitos da vida e em ter sucesso em todos eles, não é raro que as pessoas se sintam sobrecarregadas e esgotadas.

Nos últimos tempos, ouve-se sobre o aumento nos casos de burnout, depressão e ansiedade, relacionados à sobrecarga intelectual e à falta de limites entre a vida profissional e pessoal, ainda mais prementes em época de pandemia. Para as crianças e adolescentes parece que o cenário não é muito diferente, o sofrimento psicológico também vem se mostrando crescente nessa parcela da população, preocupando a todos.

Temos consciência de que as escolhas que a humanidade vem fazendo e os valores que vem sendo cultivados nos colocam diante de uma inquietante situação, em que todas as coisas se apresentam em modo de urgência e em constante aceleração. Como nos lembra a preciosa canção de Lenine1: “Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma / Até quando o corpo pede um pouco mais de alma / A vida não para” …
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1 cantor, compositor, arranjador, multi-instrumentista, letrista, ator, escritor, produtor musical, engenheiro químico, e ecologista brasileiro, ganhador de seis Grammy Latino, dois prêmios da APCA, e nove Prêmio da Música Brasileira. Autor da canção Paciência, citada neste texto.

 

Os afazeres nos absorvem e os espaços de respiro, de contemplação, de desfrute, de encontros e de entrega encolhem. Junto minguam a nossa saúde, nossa sensibilidade, nossa criatividade, nossos desejos mais genuínos. E nesses termos a vida vai ficando, de fato, cada vez mais rara. Não em seu significado mais concreto que define o tempo entre o nascimento e a morte, mas, no sentido figurado, de vida como a motivação que anima a existência humana.

No ditado fica manifesto que, para os guaranis, a linha que tece e dá sentido à vida é a do senso de pertencimento: Nós estamos todos nos levando. Somos parte de um todo maior. O que nos motiva é ter consciência desse lugar que ocupamos, que nos pertence e a quem pertencemos; é o comprometimento e responsabilidade em relação a ele; são as possibilidades de reconhecimento, de crescimento e de realização que o mundo nos oferece.

Mas porque essa segunda afirmação seria um contraponto à primeira de que “Quem vai depressa demais, deixa a alma para trás”?

E aí, vem à lembrança o Ailton2, que não é guarani, mas é krenak, e diz: “Nós começamos desde cedo a sugerir para as crianças que elas precisam de mérito e que precisam alcançar uma escala para ocupar lugares de vencedores. É claro que ninguém quer formar alunos para serem perdedores, todos querem ser ganhadores. E tem uma metáfora para isso, que é o pódio. O pódio costuma ter um primeiro lugar, o segundo e o terceiro também, mas o primeiro está em destaque e nesse lugar só cabe uma pessoa. E ele é uma mentira, porque não tem nenhum lugar do mundo em que só caiba uma pessoa”3.

Ou seja, ensinamos às crianças e jovens a percorrerem seus caminhos sozinhos, tendo como guia uma ideia única de futuro em que, alcançando o sucesso individual, nos destacamos do resto. Sim, nos “destacamos” e deixamos de ser parte, deixamos de pertencer. Deixamos de lado um aspecto essencial de nossa existência humana que é ser no mundo, que é ser com os outros.

Como podemos ajudar as crianças, adolescentes e jovens a lidar de forma diferente com o próprio tempo e com a própria vida enquanto ela é vivida? Será que podemos ensinar algo diferente a eles nesse sentido? Ou vamos continuar ensinando a viver a vida de forma tarefeira, em que os únicos valores verdadeiramente cultivados e recompensados são a produtividade e os resultados individuais?

O desafio que nos colocamos no espaço ekoa é fazer com que o tempo vivido na escola seja um tempo com mais calma e com mais “alma”. Entendemos hoje que

uma proposta de educação integral, com um currículo que contemple, além da ampliação, a integração dos saberes; que dialogue com o território; que tenha tempos e espaços alargados, permitindo que as experiências sejam vividas com mais profundidade e em todas as dimensões e, em que sejam possíveis ajustes às necessidades dos estudantes reais à diversidade que os caracteriza, seja um bom começo no sentido de um viver com mais plenitude por parte do estudante e de experiências com mais sentido para todos.

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2 Ailton Krenak, é um líder indígena, ambientalista, filósofo, poeta e escritor brasileiro da etnia indígena crenaque.

3 Conferência dada no 2º Congresso LIV Virtual, disponível em https://www.inteligenciadevida.com.br/pt/conteudo/ailton-krenak-tempo-e-educacao/