Resolvi escrever sobre as contrariedades e negativas das crianças, pois tenho visto muitas famílias preocupadas com algumas atitudes de seus filhos e filhas. Para início da nossa reflexão vou tentar olhar para nossas exigências sob o ponto de vista das crianças.
Imagine as seguintes cenas:
Cena 1 – Você está brincando e de repente começa a perceber uma movimentação diferente, sua mãe entra no banho e ao sair coloca uma roupa que você sabe que não é de ficar em casa. Neste momento, você é retirado de sua brincadeira e sua mãe começa a trocar sua roupa, diz que irá te levar para brincar com seus amigos e que ela irá trabalhar. Percebendo que a atmosfera é de pressa e ansiedade, você começa a se irritar, mostra incômodo em deixar os brinquedos, lembra-se de uma camiseta que gosta de usar, então começa a fazer corpo duro para não ser trocado.
Cena 2 – Já é de noite, você está com sono, está sendo colocada no berço para dormir, quando ouve o barulhinho da chave abrindo a porta de casa. Você desperta e fica animada, pois sabe que seu pai acaba de chegar. Então, começa a brincar, correr, pular, mostrar seus brinquedos e a euforia só aumenta. Seu pai também fica animado em te ver e se interessa por tudo o que você está mostrando. O tempo, porém, vai passando e seus pais começam a mudar a sintonia, seu pai precisa ir ao banheiro, jantar, tomar banho, relaxar um pouco, sua mãe também. Você percebe que algo está diferente, mas mesmo com sono, prefere ficar acordada, pois quer ficar junto deles. Neste momento, um dos dois te leva para o quarto e a coloca para dormir, mas você se recusa, chora e demora pelo menos 40 minutos para adormecer.
Cena 3 – Você está jantando na casa da sua avó e a cada colherada oferecida, abre um bocão enorme. De repente, sua mãe chega para te buscar e você para de comer, começa a chorar, mexe o corpo para sair do cadeirão, mas sua avó e sua mãe insistem em mantê-lo sentado e em dar-lhe comida. Você não está mais sentindo fome, então pede o suco, mas como está agitado, ouve sua mãe falando seriamente que você precisa se acalmar para recebê-lo, então você para, mas ao receber o suco, joga o copo no chão. Nesta hora, sua mãe demonstra irritação, pega o copo, tira-o do cadeirão e recusa-se a pegá-lo no colo. Então, você chora intensamente.
Creio que muitas famílias já passaram por este tipo de situação, suponho que algumas passam com bastante regularidade por elas. O que podemos fazer diante delas? Como evitar que cada situação de cuidado se transforme num embate enorme? Por que as crianças ficam tão contrariadas com situações tão previsíveis?
Felizmente não há uma resposta única para cada uma destas perguntas. O que devemos entender é que do ponto de vista das crianças, por mais rotineira que seja uma situação, ela irá atuar conforme suas percepções e desejos imediatos. Isto é, se está brincando, quer continuar a brincar; se os pais estão em casa, quer estar com eles; se a mãe chega, quer ficar com ela, receber sua atenção (mesmo que às avessas).
Ocorre uma dificuldade na comunicação e um desencontro de desejos. Pela lógica adulta, as situações funcionam com começo, meio e fim. Na cena 1 seria, brincar um pouco, trocar de roupa e sair de casa; na cena 2, brincar com o pai, despedir-se e dormir; na cena 3 saudar a chegada da mãe, terminar de comer e brincar.
Além disso, como estas cenas se repetem com frequência, ela se torna extremamente previsível para todos. Por isso, um bom jeito de minimizar a tensão decorrente delas é mudar a maneira como se desenrolam. Às vezes, uma mudança no modo de interagir faz com que tudo se modifique. Por exemplo, você já convidou seu filho a te ajudar a colocar a sua roupa ou calçar o seu sapato? Depois de brincar e antes de levá-lo para dormir, já pediu para que ela guardasse sua bolsa/pasta de trabalho? Ao chegar no momento da refeição o tirou do cadeirão, deu-lhe uns beijinhos e em seguida provou da comida que ele estava comendo? Pois é, nenhuma destas propostas funcionam como fórmula mágica na resolução de conflitos e tensões, mas podem ajudar a diminuir o valor e o stress de muitas destas cenas.
Bom, por enquanto vou propor apenas esta pausa para pensar sobre cenas corriqueiras sob o ponto de vista das crianças, depois me contem o que acharam!
Por Ana Paula Yazbek