Uma das questões evidenciadas neste período de acolhimento e retorno parcial é a necessidade de propostas em ambientes externos para as crianças, uma vez que muitas passaram um longo período dentro de suas casas. Os espaços, os materiais e as pessoas são fundamentais para um reencontro seguro. A forma como o professor lida com as suas propostas também. Temos reiteradamente escutado que agora o foco está no encontro saudável das crianças com a escola, a brincadeira e as demais crianças. Mas será que as escolas e os professores estão realmente preparados para tanto? Não me refiro somente aos cuidados de biossegurança, mas ao olhar que o educador tem de si e do que propõe para suas crianças cotidianamente e neste momento que atravessamos.
Neste período tenho visto que alguns professores, principalmente os especialistas, têm tido dificuldade de se relacionarem com uma nova organização do tempo, dos espaços, das crianças e principalmente das intervenções. Como dar uma aula de vinte minutos? Como ficar do lado de fora da sala sem as crianças se dispersarem? Como criar vínculos com crianças novas? Como envolver o grupo?
Esse incômodo traz à tona a dificuldade de lidar com a incerteza, o desafio e com a nova maneira de se fazer presente com as crianças. Afinal, o que faz um professor na educação infantil? Ele escuta? Observa as suas crianças? Propõe coisas interessantes? Oferece possibilidades a todas? Considera as diferenças como diversidade? Ou será que ele fala ininterruptamente, dirige ou controla as crianças o tempo todo, propõe atividades pouco significantes, considera as diferenças como obstáculos ou dificuldades para o planejamento?
A ideia do professor como um ator, no sentido daquele que precisa ser e ter o foco da luz e da atenção das crianças integralmente, dificulta uma visão de autonomia, de respeito a infância, ao brincar livre, ao corpo, gestos e movimentos. No entanto, ser um professor de crianças pequenas não significa se invisibilizar. Não se trata disto. Trata-se de encontrar ferramentas que deem possibilidades para que todos aprendam, se desenvolvam.
Neste sentido, para exemplificar essa ideia, gostaria de compartilhar algo muito preciso destes últimos dias no espaço ekoa.
Como sempre acontece nos nossos encontros, estava tocando o pandeiro, cantando e correndo com as crianças, desta vez ao redor da nova jabuticabeira. De repente, uma delas ficou fixada na brincadeira e apenas com um gesto me pediu o pandeiro para tocar. Essa foi a forma que encontrou para participar. Imediatamente, entreguei o pandeiro e passei a correr batendo palmas. Ao invés de olhar pela perspectiva da falta que a percussão do instrumento poderia me causar, preferi considerar que entregar o tão sagrado “pandeiro do Marcola”, traria para aquela criança um sentimento de pertencimento e, principalmente, de diversão. E foi o que aconteceu. Brincamos “ekoando” ao som de suas batidas, como pássaros soltos de suas gaiolas!
Escrevi essas palavras inspirado na história Gaiolas e asas, de Rubens Alves. No texto o educador faz um aforismo “Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas”. Nas escolas que são gaiolas, desde muito cedo se prendem as aves, impedindo-as de voar livremente, até que não saibam mais serem livres. Nas escolas que são asas, permite-se e encoraja-se sempre o voo livre. Curiosamente, as gaiolas que servem para prender as aves, acabam prendendo também seus donos, ou seja, professores, que se sentem desestimulados, ameaçados, estressados, acuados e agredidos pelos alunos, que viram tigres. As escolas e os professores que são asas amam o voo de seus alunos, permitem e valorizam a presença e a participação do corpo, do brinquedo, do jogo. Sem a menor dúvida, no espaço ekoa estamos ao lado das asas….
Por Prof. Marcos Santos Mourão (Marcola)