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Uma das coisas que mais gosto de fazer com as crianças é ler histórias. Quando pego um livro e me aproximo de um grupo de crianças, parece que o tempo ganha outro ritmo, seus corpos vão se acomodando de diferentes maneiras, a curiosidade vai tomando conta do ambiente e a agitação vai dando lugar à expectativa pela escuta da história. 

Os livros trazem consigo muitas coisas para além de suas narrativas, trazem suspense, dúvidas, afeto, cumplicidade, graça, medo, tédio… Junto do enredo escolhido pelo autor e pelo ilustrador, os livros favorecem a construção da história de um grupo, de um tempo partilhado juntos. 

Quando me tornei professora, aos dezoito anos de idade, sabia poucas coisas sobre crianças e sobre educação, mas já intuía que ler em voz alta era especial e que tudo que compunha um livro merecia atenção: desde sua capa, cada uma das palavras escolhidas pelos autores, sua pontuação e suas ilustrações. 

Lembro-me que comecei a ler um livro em capítulos,para uma turma de crianças de quatro anos. Eu tinha uma rinite muito intensa e um aluno, chamado Pedro Henrique, me perguntou o porquê do personagem “falar todo entupido”. Na hora, eu achei este comentário gracioso, somente anos depois eu me dei conta de que para ele, naquele momento, quem falava era o personagem e não eu. 

Alguns anos depois, assumi uma sala que tinha vinte e sete crianças entre cinco e seis anos. Era um grupo com uma dinâmica bastante desafiadora e muito agitado. Muitas vezes não conseguia mantê-los muito tempo numa mesma proposta, mas nossas rodas de história eram sempre especiais. Lembro-me que li “As Bruxas” de Roald Dahl em capítulos, parecia que quando iniciava a leitura, as vozes do narrador, do menino e das bruxas convocavam as crianças para um período de trégua. Penso agora, que isto tem relação com o que especialistas em literatura infantil falam sobre o tempo do “era uma vez…”. Quando ocorre uma pausa na voz de comando que os adultos sempre dirigem às crianças, dando lugar a outra modulação, na qual o texto, as ilustrações, e a voz criam paisagens, imagens e/ou sensações que transportam a todos para outra forma de interagir e de “ouvir outras músicas da língua”.  

Recentemente, minha filha Marina que também é professora, me contou que ao mostrar o livro que iria ler, uma criança falou que tinha um igual em sua casa. Mas quando ela terminou a leitura a criança falou “Nossa! Mas esta não é a mesma história que tem na minha casa, esta dá muito mais medo!”. Certamente, as vozes dos personagens ganharam entonações diferentes das que os familiares da criança usam. 

Sempre me encanto ao observar os olhares e expressões das crianças ao ouvirem uma história. Também me chama muito a atenção notar como respiram, como se entrassem no ritmo do personagem, ora de modo ofegante, ora numa respiração mais pausada, como se estivessem partilhando das mesmas sensações. 

Ao final da leitura, sempre ocorre o deleite, quando as crianças se aproximam do livro para verem mais de perto o que mais chamou sua atenção. Este parece um momento de intimidade, quando mesmo sem ainda lerem convencionalmente, travam um diálogo delicioso com o texto. 

É por isso que a leitura diária de bons livros deve ser garantida tanto em casa como nas escolas, pois as histórias favorecem o contato com sentimentos humanos e com uma linguagem enriquecida, encadeada, cheia de modulações, afetos e sonoridades. 

Por Ana Paula Yazbek